quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Procrastinação - Você sabe o que é isso?

A coisa é tão ruim que até o nome é feio: procrastinação. O "palavrão" designa a ofensa que a pessoa faz a si mesma, mesmo sabendo que isso só a deixará mais vulnerável, sujeita a cometer mais erros, angustiada e exaurida.

O impulso da procrastinação leva você a fazer qualquer coisa, mesmo sem graça, em vez daquilo que é mesmo necessário. Ou você nunca se pegou deletando o lixo do e-mail na hora em que deveria estar enviando um relatório?

ENROLATION
Em levantamento inédito, 33% dos profissionais brasileiros afirmaram gastar duas horas da jornada sem fazer nada de efetivo e 52% admitiram deixar atividades necessárias para a última hora.

Os índices da pesquisa feita por Christian Barbosa, especialista em gestão de tempo, são mais altos que os de pesquisas semelhantes nos EUA, no Reino Unido e na Austrália, onde enroladores crônicos são 20% da população economicamente ativa.
"Aqui, as pessoas se sentem poderosas deixando tudo para a última hora e não ficam culpadas por isso", diz a psicóloga Rachel Kerbauy, da Sociedade Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, que pesquisou como brasileiros protelam exames e cuidados de saúde.
A culpa com a procrastinação pesa mais em sociedades influenciadas pelo luteranismo ou calvinismo, diz o professor de filosofia Mario Sergio Cortella, da PUC-SP. "A religião colocou o trabalho como elemento de salvação. Adiá-lo vira um vício."
Independentemente de aspectos culturais e morais, a procrastinação, além de não ajudar, atrapalha. E empurrar com a barriga não tira o problema da frente, só faz ele crescer nos pensamentos.
"A única coisa que se pode ganhar é culpa. A pessoa nem consegue fazer algo prazeroso em troca, porque não é uma escolha livre do uso do tempo", diz Cortella.
Na pesquisa, que incluiu 1.606 pessoas, as principais explicações para a enrolação foram falta de tempo, medo do fracasso e complexidade da tarefa a ser feita.
Mas, para a psicanalista Raquel Ajzenberg, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, as causas do comportamento podem estar ligadas a dificuldades maiores.
AUTOBOICOTE
Um dos motivos é o que Freud chamou de "fracasso como êxito". É quando a pessoa, por motivos inconscientes, recua sempre que está perto de uma situação de sucesso. Os adiamentos crônicos são um autoboicote.
Acontece também com os perfeccionistas. Para eles, o medo de não conseguir fazer algo impecável paralisa a ação, e o planejamento excessivo para cumprir metas muito idealizadas os leva a adiar o trabalho constantemente.
"A pessoa tem uma coisa importante para fazer, mas fica cavando mais buracos, descobrindo problemas para resolver antes e não faz o que deve ser feito", diz Barbosa.
Ele diz que a maioria é treinada na infância a deixar tudo para a última hora, porque os pais agiam assim.
Culpa também do sistema educacional, vê Cortella. "O estudante daqui é viciado em provas feitas só com a memória. Se é para decorar, o mais fácil é só estudar na véspera."
Enquanto psicanalistas analisam as motivações inconscientes da procrastinação e filósofos se debruçam sobre seus aspectos éticos e morais, os economistas estudam o problema pensando na relação custo-benefício.
Até um prêmio Nobel de economia, o americano George Akerlof, tratou do assunto. Ele concluiu que as pessoas adiam porque os custos imediatos de fazer determinada tarefa parecem mais reais do que o preço de fazê-la no futuro.
"Você tem certeza de qual é o custo imediato, o desprazer do esforço, e tem certa miopia em relação aos benefícios futuros. Acredita que protelar é uma escolha racional, mas é um autoengano", diz o economista Paulo Furquim, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
SOB PRESSÃO
Essa ilusão de óptica ajuda a entender por que algumas pessoas embaçam até nas tarefas necessárias para fazer algo de que gostam.
Algumas pessoas também tentam fazer do adiamento uma tática de ação, porque só conseguem se motivar no sufoco da última hora.
Para Barbosa, isso é um padrão mental adquirido por força do hábito. "A pessoa treinou para produzir sob pressão. Se treinou, dá para destreinar e aprender um novo modelo de lidar com o tempo", afirma.

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/966952-entenda-por-que-voce-deixa-tudo-para-a-ultima-hora.shtml

terça-feira, 30 de agosto de 2011

OUÇA BEM - Texto de ROSELY SAYÃO



Fique atento para gravar frases incríveis que as crianças dizem e ainda aprender mais sobre si mesmo

Ouvi uma avó lamentar, recentemente, o fato de não ter registrado por escrito as coisas que seus filhos, hoje adultos, falaram quando crianças.
É verdade: um bom ouvinte é capaz de reconhecer frases sensacionais criadas por crianças e histórias simplesmente encantadoras que elas nos contam.
É impressionante como elas são capazes de expressar o que sentem e pensam de maneira genial, criativa.
Devo concordar com essa avó: é uma pena termos perdido a memória de muito do que já ouvimos de filhos, alunos, netos e outras crianças com quem convivemos.
Uma professora de educação infantil tem o costume de escrever em um caderno tudo o que escuta de seus alunos e julga digno de nota. De vez em quando, ela relê esse material e se emociona com tudo o que já testemunhou.
Essa é uma dica para quem tem filhos pequenos: anotar as frases que merecem ser lembradas e, mais tarde, presentear o filho com esse caderno de registros.
Uma das histórias que essa professora me contou merece ser compartilhada com você, caro leitor. Alguns anos atrás, ela acompanhava uma classe de crianças de quatro anos. Um dos aluninhos, peralta ao extremo, costumava morder seus colegas quando esses o atrapalhavam. E isso era motivo para muitas reclamações das mães dos colegas de sala e da própria professora, que nem sempre conseguia se antecipar ao garoto para impedir a mordida.
Pois bem: um dia em que a professora estava com a paciência um pouco curta, o garoto foi lá e soltou uma bela mordida no colega que recusou a companhia dele em uma brincadeira.
A professora não teve dúvida: sentou ao lado do garoto e soltou um longo discurso a respeito do que podia e não podia acontecer na sala, de que colega precisava ser respeitado etc. e tal.
Ela só se deu conta de que a sua fala fora exagerada ao ouvir a resposta do menino: "Professora, eu mordi pouco, mas você falou muito!".
Pensando bem, um ouvinte atento não apenas grava na memória frases incríveis como essa, mas também reflete sobre o que escuta e aprende muito a respeito de si mesmo e de como se relaciona com o mundo infantil e com as próprias crianças.
Essa professora, por exemplo, disse que aprendeu a ser uma professora melhor depois de dormir muitas noites com a frase do menino na cabeça. "Falar menos e agir mais com as crianças é o que de melhor podemos fazer por elas", relatou.
Verdade, não é?
Uma leitora escreveu uma vez para contar a dificuldade que tinha de se comunicar com o filho de modo que ele entendesse o que ela queria expressar.
É: de pouco adianta falar com a criança tendo como referência o mundo adulto e a sua linguagem. E hoje, quando a infância está desaparecendo, fica bem mais difícil para o adulto encontrar uma via de comunicação com os pequenos.
Essa leitora passeava com seu filho de cinco anos pelas ruas da cidade quando cruzaram com um grupo de anões (pessoas de baixa estatura, segundo a linguagem politicamente correta).
O garoto demonstrou perplexidade frente a essa situação por não conseguir entendê-la. Como aquela imagem não encaixava em seu referencial, ele pediu a ajuda da mãe para dar um sentido ao que via. A mãe bem que tentou, mas não conseguiu ajudar o garoto.
Foi então que ele sintetizou sua dúvida: "Mãe, eles são gente grande ou gente pequena?".
Foi dessa maneira genial que o garoto fez a mãe entender o que ele precisava saber.
Ouvir as crianças, pensar no que dizem, ficar atento à maneira como elas combinam sentimentos, imagens e pensamentos e traduzem isso em palavras é um ótimo recurso para se comunicar verdadeiramente com elas.



ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/