segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Como se Fosse - Sobre a infância e a forma de encarar a vida do adulto

Publico aqui um texto meu escrito em 2003. Reli e acredito em grande parte do que está escrito nele. Boa leitura.


por Pedro Quaresma Cardoso

            Há algum tempo tive a oportunidade de fazer um curso de Musicalização Infantil. Totalmente prático. Foram seis meses, às quintas pela manhã bem cedo. Tive contato com muito mais que aprender a aplicar teoria. Fizeram-me sentir criança novamente. Como se fosse criança. Estava precisando. Tinha me esquecido como era. De certa forma sentir-se criança é transgredir normas sociais. Normas que só os adultos conhecem.
À medida que envelhecemos me parece que deixamos de acreditar em contos de fadas, duendes, bruxas, unicórnios. De acreditar que andar na cauda de um cometa é possível e de que pode ser muito divertido. Há quanto tempo você não ri a toa? Em algum momento - creio que quando passamos a pensar que sabemos das coisas - sentir-se criança torna-se uma heresia. Algo errado, de mau gosto, que não combina conosco, adultos acadêmicos intelectualizados.
Temos muitas personalidades e nenhuma delas é certa ou errada. Apenas é. Quantas vezes não nos pegamos dizendo: estava fora de mim quando fiz aquilo ou então você estava tão brincalhão que não o reconheci. É como se a vida fosse uma festa à fantasia. Cada situação pede uma forma diferente de comportar-se. Mas, contraditoriamente, o tempo passa e mostramos cada vez menos as peças de nosso arsenal de disfarces. E mais, escondemos as velhas fantasias num porão. Quando percebemos estamos usando sempre a mesma - de adultos de comportamento rígido, petrificado, quase sempre previsível.

Lembro-me de uma “musiquinha” que cantava quando tinha uns sete anos:

Centauro, não é bicho de sete cabeças

Centauro é um bicho levado
Metade do seu corpo é gente

E a outra metade, é cavalo

Velozzzzz, corria atrás do vento

Queria saber para onde ia o danado
Para onde ia? Para onde?[1]
                         
Naquela época não pensava nada sobre o sentido da letra, só sentia e cantava com gosto. Hoje em dia gosto de pensar a primeira frase como uma criança explicando a um adulto: “- Centauro não é bicho de sete cabeças... é metade cavalo, metade gente. Entendeu?”. Não é complicado, muito menos estranho. É apenas um centauro, um bicho levado, arteiro, que ousa correr atrás do vento e divertir-se com isso. Uma criança como ela. E, creio eu, as crianças antes de perceberem que somos sérios acreditam que, como elas, também somos arteiros.
Adultos tentam entender tudo racionalmente, interpretar para tentar explicar os motivos. Assim, prendem-se a detalhes que nem sempre são os mais importantes. Ao se decifrar os truques, o mágico deixa de ser mágico e transforma-se num farsante. Acaba o encanto. Assim, escondemos também nossa parte mágica. Brincar e acreditar que a brincadeira é verdade é uma parte de nós. Uma fantasia que guardamos no porão e, de tempos em tempos, temos que procurar, sacudir a poeira e vesti-la. Como se fosse uma brincadeira. Como se fosse verdade.



[1] Telma Chan 



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