terça-feira, 12 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE E A LÓGICA DO ABSURDO

por Fabiana Esteca
Psicóloga pela PUC-SP
Especialista em terapia de casal e família
Mestranda em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP)

 

Dizem que quando uma borboleta bate as asas em um canto do mundo do outro lado chega um furacão. Pois é, acredito que assim funciona nosso pensamento, as idéias e crenças que alimentam nossa vida tem um poderoso “efeito borboleta”. Foi assim que me senti, especialmente, ao sair do filme recém chegado aos cinemas: Tropa de Elite II, dirigido por José Padilha.
Quando nos deparamos com uma realidade muito obscura ao nosso meio de convívio nos sentimos impotentes, por não compreender a complexidade de uma questão social ou não ter controle sobre ela, ou ainda, ter dificuldade para aceitar que o mundo é injusto e algumas pessoas nascem com destinos trilhados, com azar ou sorte...
Enfim, frente a essa impotência nos deparamos com conflitos ideológicos, uma variedade imensa de opiniões e posturas políticas.
Nesse contexto, brotam programas sensacionalistas, com figuras como Datena e Wagner Montes,  a fim de explorar a vulnerabilidade de seus telespectadores e garantir a audiência. Um triste casamento. Uma sociedade com medo fica permeável à soluções simples, como por exemplo, a morte, a tortura e a lei do “aqui se faz, aqui se paga”. Se é que podemos chamar estes métodos sanguinários de solução. “Temos uma polícia cujo símbolo é uma caveira e ninguém acha estranho?” – Uma das frases do filme de Padilha.

Como psicóloga, defendo sempre a ideologia dos Direitos Humanos, porém é sempre válido refletir sobre posições contrárias  ao invés de cegamente negá-las.
O discurso presente no senso comum clama por “justiça”, atualmente quando ouço este termo fico apreensiva, pois justiça está virando sinônimo de qualquer violência legitimada como punição, quando não a própria morte.
Uma cena que representa o “bater de asas da borboleta”, em minha opinião, são os aplausos que recebe o capitão Nascimento após o assassinato de um detento do presídio Bangu I, por um dos policiais do Bope. A reverberação social nestes casos funciona como um termômetro para as autoridades acerca de como queremos que seja o mundo à nossa volta. Por enquanto perpetua-se um esquema que há muito não funciona e, talvez seja esse o melhor argumento do filme, brilhante, de José Padilha. Assista.

3 comentários:

  1. Assistam Tropa de Elite 2. É um soco de realidade na boca do estômago. Torço para que a realidade não seja tão suja quanto prega Padilha.

    Pedro

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  2. Infelizmente, a realidade é muito pior do que aquilo, e não saber isso faz com que a população carcerária se irrite ainda mais, e com razão.
    O que é genial no filme é que é um verdadeiro tratado de sociologia política sobre a violência.
    Parabéns Fabi pela acuidade de seus comentários: obrigado, eles me fizeram refletir muito. Belo texto. O filme é a melhor coisa que assisti nos últimos anos, pela profunfidade da análise: vale mais do que 10.000 textos do Sérgio Adorno, do Nucelo de Estudos da Violência, que nunca fizeram a sociedade brasileira se pensar, se olhar no espelho, só serviram ara que ele se olhasse no espelho, enfim, através de seu lattes...
    Não assisti ao primeiro filme, devido ao apelo midiático irritante que gerou, e que, admito, me fez depreciar o filme pela imensa procura de fantasias do Capitão Nascimento nos Sex Shops do Brasil, o que revela desejos íntimos de vingança da sociedade contra aquilo que ela mesma criou: mas o que é muito produtivo nele é que nos faz ver como o Estado é o gerador e financiador daquilo mesmo que diz combater, e como o sistema - do qual fazemos parte TODOS nós, mais ou menos privilegiados por ele conforme o grau de melanina em nossas peles - não se pauta pelos indivíduos: ele prescinde de mim, de você, do Marcola, do Cap. Nascimento: se eu ou você morrermos, haverá 12.000 na fila para ocupar nossos lugares, e a peça, o enredo, continuará. Somos apenas atores, e a população prisional do Brasil alcançará a marca de 200 milhões em 2088, sabem por quê? Em minha modesta opinião, é porque os brasileiros, desde há 500 anos, já estão todos enclausurados e ancarcerados, são todos presidiários, de sub-empregos, de um nordeste semi-árido opressor, de um país estatal e estatizante sem cidadania, mas apenas com impostos: um Estado literal e cocretamente IMPOSTO. Valeu Fabi, pela genial reflexão, muito ponderada.

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  3. Análise muito boa da cena, parabéns.

    Outro aspecto muito trabalhado no filme; pode-se dizer, em torno de que a trama se desenvolve, é a maneira como "o sistema" - conjunto de relações de influência contínua e recíproca - se organiza para impedir tudo aquilo que lute vá na direção contrária de se mover. A mesma lógica pode ser observada nestas eleições em algumas das mídias de maior tiragem do país: revista veja e estadão, sem contar outras com menor impacto.

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