segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre amizade


Revisitando um texto que escrevi em 2006. Boa leitura:

Mário, de quem é a culpa? De Um ou de Outro?
por Pedro Quaresma Cardoso


Ao narrar a história de dois amigos no conto Frederico Paciência*, Mário de Andrade dá uma aula sobre a vulnerabilidade das amizades. História emocionante. Sobretudo pela extrema facilidade com que nos identificamos com ela. Mário descreve a paixão fraterna que é construída entre dois meninos, pelos quatorze anos, na época de colégio. Eles eram diferentes, tinham sonhos diferentes. Um almejava a medicina e o Outro, as artes. Pintura, música e versos. Jovens, de origens diferentes, aprenderam muito Um com o Outro. Um passeava entre as amizades como quem pula ondas, que passam sem que se dê conta de para onde foram. O Outro não tinha nenhum amigo. Um foi seu primeiro. Aprenderam a ser cúmplices. Acreditavam-se inseparáveis.

Há quem diga que amizade é natural. Inicia-se naturalmente. Aparentemente nada fazemos para que um amigo se mantenha nosso amigo. Errado! Fosse assim, seria só esperar o tempo passar e os amigos se tornariam mais amigos. Amizades não são como frutas que amadurecem sozinhas, demandam muito trabalho, muitas atitudes em prol de sua construção. Não há nada de natural em uma amizade. Para mantermos uma relação não podemos esperar que o acaso nos uma, devemos nos comportar para que união ocorra, por exemplo, convidando alguém para correr no parque. Para que ela perdure é necessário esforço de ambas as partes. Do Um e do Outro. Ao acompanhar o parceiro em tarefas enfadonhas, por vezes entediantes, mostra-se que o importante é o Outro e não a tarefa que desempenham juntos.


No conto desses dois amigos, em algum momento, pelo menos um deles parou de se comportar como amigo. Sem que percebessem, pois foi aos poucos, se distanciaram. Que pena. As causas, agora, não nos importam. No entanto, as conseqüências disso não poderiam ser diferentes. Os amigos se afastaram. Ao fim, um deles, conformado com a separação e sem saber muito bem por que ocorreu afirmou: “Estou convencido que perseveraríamos amigos pela vida inteira, se ela, a tal, a vida, não se encarregasse de nos roubar essa grandeza”.

A grandeza de manter uma amizade está em comportar-se para mantê-la. Assim Um e o Outro talvez pudessem ter salvo sua amizade. Acabaram colocando a culpa na vida. Enfim, alguém sempre leva a culpa – nem sempre o real culpado.

*Frederico Paciência, de Mário de Andrade, foi publicado no livro Contos Novos, de 1947.